Nascido e criado no sertão baiano, parte norte da Chapada Diamantina, nunca fui o que se pode considerar como um folião; meu pai e meus tios eram, animados foliões dos carnavais das antigas daqueles que usavam mortalha no meio da multidão e frequentavam os bailes de salão nas madrugadas momescas dos clubes.
Até os 11 morei numa pequenina cidadezinha
que tinha carnaval de salão no único clube da cidade, o 15 de Novembro com
matinal e matiné para as crianças no
sábado e no domingo e os bailes da gente crescida nas noites carnavalesca. Trio
elétrico fui ver ao vivo aos 12 anos quando se iniciava a movimentação que deu na Axé music e até os 15 ia atrás dos
trios e pulava os muros dos clubes para ver os shows .
Apartir
de 1986, já morando em Itaberaba conheci
Salvador, a capital do estado. Passei a ir pra lá com
frequência e em 88 fui tentar a vida por
lá e este período de seu justamente na
época que o Olodum e a música afro assumiram o destaque no Carnaval baiano.
Neste primeiro ano, quase todos os domingos no final da tarde, lá estava eu no
Largo do Pelourinho acompanhando os ensaios do Olodum; frequentei alguns
eventos no Ylê Auê, Malê de Balê e do Muzenza;
estive no Carnaval de rua, meu começo se deu pelo antigo reduto de concentração
da “esquerda festiva “, no Clube de Engenharia e nos becos e vielas do 2 de
Julho.
No meu segundo ano em Salvador, como torcedor
do Bahia e encantado com o calor da sua torcida, eu morava numa República estudantil a menos 15
de minutos de caminhada da Fonte Nova e
trabalhava na Ladeira da Fonte em frente ao estádio, foi tudo intenso e, enjoado das farras no início de 89, resolvi
passar o período carnavalesco no interior,
em Jacobina.
Ao voltar
fiquei sabendo de um fato que muito me impactou e me deixaria registrado
um desgosto com relação ao carnaval. Quando fui morar em Salvador, fui
estimulado e apoiado por amigos pequeno burgueses, gente com faculdade pronta sem inserção na periferia e eu já tinha construído conhecimento com soteropolitanos,
principalmente entre a juventude que militava em torno da oposição gráfica e, nessa
turma tinha o companheiro Sérgio, Serginho, o Sopa, militante do Movimento de Defesa dos Favelados e morador de Nova Alagados; foi ele quem me mostrou a Salvador Suburbana,
o povoado das palafitas que eu sabia através dos relatos do meu pai de quando elemorou com a minha vó nas invasões do Uruguai entre o final dos
anos 50 e início dos 60. Sopa era um jovem sonhador, parceiro, amigo, gente
boa, um grande coração. Tínhamos a
militância e conversávamos muito, criticamente, sobre os rumos daquela
luta, as posturas vacilantes das “direções
“, falávamos de músicas, coisas,
lugares, marcavam presença nas festas de
largo, pinotar nos ônibus, pular o muro da estação de trem e tomar muita
cachaça juntos.
Num dia do Carnaval de 1989, Sopa com seus
20 e pouquíssimos anos, descendo na Pipoca da Castro Alves, rolou uma confusão
e ele é empurrado sobre a caixa de
isopor de um vendedor de cervejas estúpido que, ante sua impossibilidade de
arcar com aquele prejuízo financeiro, lhe desferiu uma garrafa, quebrada na jugular. Fatal, morte instantânea, seu corpo, recolhido ao IML, passou uns 3
dias como indigente até ser encontrado e identificado pelos amigos da Quebrada.
Uma morte banal numa madrugada de Carnaval
ceifou uma vida de sonhos, um futuro foi negado
aquele menino nascido na insalubridade das palafitas, criado na
necessidade e na falta das coisas, que contrariou as estatísticas aprendeu a
ler, escrever e tomou consciência da vida.
Era sabedor de que pra melhorar sua comunidade seria preciso mudar a cidade, o
estado, o país e o mundo. Morreu sabendo
que essas mudanças passavam pela cabeça das pessoas, combatia a estupidez e por ela foi morto.
Desde então, Carnaval me lembra estupidez, eu próprio,
quando frequentava, muitas vezes briguei atrás do trio, sozinho ou de galera; sair na mão com “puliça” desarmado, já me foi prazeroso
mas, desde aquele carnaval de 89, a folia momesca me é indiferente a, perdeu a graça
Lembro da última vez que nos vimos, rapidamente, na
estação da Lapa, eu subindo as
escadarias do Central e ele descendo as mesmas escadarias vindo da Barroquinha
pra pegar um ônibus pra Plataforma no seu suburbio Ferroviário.
Aquele ultimo e efusivo sorriso de alegria
visto pela ultima vez, ficou retido na minha lembrança.
COMPANHEIRO
SOPA, PRESENTE!!!!
SEMPRE
Nenhum comentário:
Postar um comentário