Baile na Quebrada?
Nesses tempos de Covid, significa
aglomerações, terreno fértil para a proliferação do vírus.
Mas, além da incoerência conjuntural, um
baile na Favela tem o significado do completo domínio da Quebrada pelo crime
organizado e o desorganizado. O mais famoso nas terras paulista é o baile da
17, em Paraisópolis, uma Quebrada encravada no Bairro do Morumbi, próximo ao
Real Parque, outra grande favela encravada no luxuoso bairro do Morumbi, sede
do governo estadual na capital paulista. Não muito distante do Complexos
do Jardim Ângela, Jardim São Luís, Campo Limpo e Capão Redondo, Pirajussara,
zona sul e berços do rap na cidade. Morei, tramoei e frequentei
essa região nós anos 90 e retornei para morar em 2018.
Outro famoso é o da 27 de Novembro, na Zona
Leste, rua que começa em Artur Alvim, adentra pelo vale da Gamelinha e termina
na Avenida Itaquera nas imediações da Vila Nhocunhé. Morei nessa região em 2016
e 18 e minha irmã mora a mais de 20 anos por ali.
A música que rola é o funk batidão,
derivado do carioca, mas o som dos paulistas tem peculiaridades próprias e a
dinâmica dos bailes também.
Sem saber o que seja uma biqueira, o papel
do campana e o que venha a ser o "irmão" da área, impossível analisar
em sua totalidade para separar a visão discriminatória que a "cidade de
bem" faz dos bailes e a "romantização" promovida pela
"gente boa" que não frequenta bem mora nestas comunidades.
A biqueira é o ponto de venda de drogas, o
campanha é o olheiro que fica na vigilância para avisar sobre a chegada da
polícia e para dar pressão nos usuários vacilões. O gerente administra a
biqueira e o "irmão" é o diretor regional do crime designado pela
facção que domina a ilicitude. Arrego é o pró labore pago para que as polícias
( civil e militar) não incomodem o negócio; quando essa contribuição atrasa,
ocorrem as batidas policiais, apreensões de drogas, dinheiro e funcionários da
narco atividade.
A experiência de morador dessas áreas me
fez constatar que no início dos anos 90 a maconha perdeu o posto de produto
mais vendido para o crack que chegou de forma fulminante e alavancou a
construção do poderio da facção. Hoje embora ainda venda maconha, crack e lança
perfume, os pinos de cocaína são os produtos de maior sucesso comercial. A
exploração de caça níqueis pelo pequeno comércio mediante comissão pra
"firma" também tem a sua importância econômica.
E os bailes? Não ocorrem nem ocorreriam sem
a anuência da direção criminosa e possibilita o empreendedorismo local.
Butecos, barracas de capeta e de lanches e as mais diversas virações da
comunidade dependem desses bailes para garantir o sustento de muita gente
embora os transtornos que estás aglomerações provocam sejam um tormento para os
moradores; o barulho em elevados decibéis, a movimentação de veículos e
pessoas, as tretas e sua um monte de chateações são relevadas ou silenciadas
pela ostentação do poderio da traficância.
No quesito da alienação, os bailes cumprem
a sua função de auxílio à manutenção da sujeição ideológica da imensa massa de
moradores aos interesse da dominação de classe. Os jovens são cooptados desde
cedo com essa movimentação na porta de casa e o conteúdo das letras reproduz o
machismo, a ignorância e a opressão, educando, dessa forma, a juventude para a
vida anestesiada e sem consciência de classe com um pseudo pertencimento. E é
isso, ao meu ver, a que exalta a utilização de uma jovem negra, pobre, criada
numa casa cheia de irmãos uma faxineira mãe solteira para vender a meritocracia
esportiva com o verniz da superação de forma que a vida na Quebrada é
apresentada como lúdica e que o capital possibilita a inclusão de todos.
O orgulho de favelado que já foi elemento
de contratação hoje vira um estímulo a integração social ao tempo que o negócio
baile vai perdendo o estigma e, dessa forma, a" firma" possa a
continuar expandindo seu domínio territorial assim como aumentando a sua
lucratividade.
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