LIRA DOS 17 ANOS

No final dos anos 90 o pixador mais articulado da Z/S era Tief, então garoto de 16, 17 anos, desenrolado e que nunca quis ter nada com escola e trabalho, pedia nos faróis pra comprar sprays e se drogar.  Certa feita saiu numa matéria da Folha de São Paulo sobre pixação,  citado  como referência, o moleque falou demais e revelou o prefixo para procurar maconha  "ver o nelson"  e outras gírias da comunidade.
Pezão tava sempre colado. Jovens da minha Quebrada, moravam na minha rua, batíamos  o baba juntos no Caveirinha  mas me achavam coroa porque eu dizia: - ser ladrão tá por fora Jão, pense que sua vida pode ser longa pra viver arriscando perder de bobeira somente por grana. Eles retrucavam dizendo que naquela periferia sempre foi assim, os de  mais apetite se estabelecem e eu depois de velho tava medroso; eu tinha 26, 27 anos.
Uns 17 anos depois encontrei com o pai de Pezão, nordestino que nos seus 70 de vida, 50 de São Paulo, se confessava cansado e amargurado pelo único dos seus filhos que não tomou tinência  na vida; havia puxado 12 anos e tinha uns  5 que não dava  notícias.
Mais um truta forte que trampa de manobra no Centro  me disse que tanto Pezão quanto  Tief viviam pela região da República, São João, Anhangabaú; moravam na rua e de vez em quando servia  um baseado quando trombava  com algum num farol. 
O desejo de ser ladrão mal saiu do papel, só fita pequena; foi o crack, a maior praga dos anos 90 que destruiu essas 2 vidas ainda jovens, sequer tiveram outra oportunidade, segunda chance.
A crueldade mundana. Teteu e Alex também 2 irmãos, mesmo pai, mesma mãe, no intervalo de menos de 01 ano Tetéu morreu assaltando um ônibus com arma falsa e levou um tiro no olho; Alex foi assassinado quase na porta de casa numa tarde de domingo provavelmente por queima de arquivo, ele era ganso, caguetava biqueira pros polícia em troca de pedra e dinheiro. Acho que ainda nem tinham entrado na casa dos 20 anos 

A MATA DE GUARDA-ORVALHOS

Eu conheço um lugar daqueles que são únicos; nunca ouvi falar de um outro igual. Trata-se de uma pequena mata, 2, 3 hectares, no máximo, de árvores chamadas de guarda-orvalho; uruvaio, como pronuncia o povo da região. 
Uma madeira linheira, aimbro branco, fraca pra chão e esse nome não foi dado à toa, para enfrentar aos longos períodos de estiagem a que é submetida a vegetação da mata branca caatingueira, esse pé de pau acumula água e libera finas gotículas da sua copa, refrescando quem estiver embaixo e contrastando com a espinhosa vegetação que lhe faz  divisa.

JAMAICANA

Ska, ka, ka, caatinga iscá

Ska, ka, ka, caatinga iscá


Arbórea,:arbustiva e herbácea 

Ê caatinga, ê mata que seca

Teu nego vai te cantar 

As cascas são grossas 

pra tempo seco secar  

As folhas sempre pequenas 

Para ligeiro murchar 

As hastes espinhosas pode o vivente furar

Raízes com capacidade 

Reter água e acumular 


Ska, ka, ka, caatinga iscá

Ska, ka, ka, caatinga iscá


Umbuzeiro, arueira

Pau d'arco, quebra-facão

Umburana, amargoso

Quiabento, quixabeira 

Malva, fedegoso

Jitirana, gravatá

Calumbi, cansanção

Jurubeba, mandacaru 

Unha-de-gato, embira, 

Juá-mirim, jatobá 

Barriguda, bastião

Jurubeba, itapicuru 

Malva , macambira

Catuaba, jequitibá 

Catanha, vilão

Angico, mulungu

Maniçoba, quipá


Arbórea,:arbustiva e herbácea 

Ê caatinga, ê mata que seca

Teu nego vai te cantar 

As cascas são grossas 

pra tempo seco secar  

As folhas sempre pequenas 

Para ligeiro murchar 

As hastes espinhosas pode o vivente furar

Raízes com capacidade 

Reter água e acumular 


Ska, ka, ka, caatinga iscá

Ska, ka, ka, caatinga iscá



GUEL DE GUNHO

Minha bisavó, Dona Hermínia, que eu chamava de vó; minha vó, Dona Nega, de nome Almerinda, a quem eu sempre chamei de mãe, que vinha a ser filha de Dona Hermínia, E Vai para Renildes, filha de caçula de Dona Hermínia e irmã de Nega que a chamavam de Nide. Ela chamava a mãe de mãe e a irmã de Nega e pedia benção às duas;Pra mim é Tia Nide. Também pra minha mãe, Isabel, apelidada de Guinho e filha de Dona Nega, a quem eu chamo de mainha.
Eu, bisneto de Ermina, neto de Nêga. Fíi de Guimho e subrinho de Nide, para todas sempre fui Guel, pois pela vontade delas era que eu fosse batizado por nome de Miguel e meu pai registrou Hamilton. Sou Guel de Guinho, porque tinha Guel de Mundinha, a quem eu chamava de Tia Mundinha que era filha de Dona Etelvina, cartomante e amiga das minhas nagôes; mais isso só se estivessem conversando entre elas, com Mariquinha, pu com aquele povo antigo da Serrinha comunidade na entrada da cidade de Jacobina, onde nasci e  elas chegaram por volta dos anos 30, século passado.
As 3 negras, firmes  no costume nagô da matriarca que era filha da primeira geração negra liberta do cativeiro. Catolicismo disfarçante e prece com os encantados, quando eu era pequeno lembro que elas frequentaram o Terreiro de dona Duminga, sendo ativas na culinária religiosa.
Tia Nide hoje mora no Alto do Cruzeiro em Salvador, no Bairro de Pernambués, para onde se mudou com minha vó em 2006. Sempre apareço por lá, apesar de 1 ano ausente; é uma Quebrada que considero e sou considerado, cervejinha, caranguejo, acarajé, café na padaria, pastel no fim de linha, dominó em botecos. São exemplos de eventos que sempre participo, interagindo com a Comunidade. Até na Baixa do Manu, pra desespero de Tia Nide que diz que é um local perigoso, sempre entrei pra ver os amigos, pela entrada da LIP como pelos ladeirões ou escadas no fim de linha dos ônibus.
 Pernambués, assim como a Serrinha, é uma antiga comunidade negra em Salvador, deve ter sido Quilombo, com certeza, passear em suas ruas de manhã e aquele cheirinho de feijão, folha de louro e couro de toicinho, é marcante.

UM DIA DEMA FOI A DIADEMA

Nascido na Paraíba 

No sertão da Borborema 

Num brejo conhecido 

Por nome Gogó da Ema

Não se enrolava na rima

Era só falar o tema

No meio do medo a coragem 

Era esse o seu lema 

Mas na hora dificultada

Não tem esse que não trema 

Era um rapaz pacato 

Não gostava de problema 

Mas eis que tropeçou 

Foi gostar de Iracema 

Mulher que quando bebia

Incorporava a Jurema

Era muito complicada 

Tal qual um teorema

Quando se viu apertado 

Tomou uma medida extrema 

Antes de raiar o dia

Dema foi à Diadema

EI, PANDEIRO

Ei, pandeiro 

Estou perdido 

E perdi o paradeiro 

Parei na pista 

Apagou o candiero 

Estou tão triste

E bebi o dia inteiro 

Estou sem sorte 

Sem amor e sem dinheiro  

Ela jogou água 

Onde era um braseiro

O fogo morto só me faz entristecer

Estou com mágoa 

Estou com raiva 

Por isso vou te bater 

No mesmo ritmo a gente vai gemer


Ei, pandeiro 

Estou perdido 

E perdi o paradeiro

Vou batucando 

Pois é o jeito que o poeta tem pra chorar

Estou batendo pra tentar te avisar

É um aviso  e você deve saber

Seja porquê ou como for

Só no batuque eu consigo explicar 

Por qual motivo, a razão de apanhar 

E cada um, com sua mágoa,  com sua dor, 

A madrugada nos foi feita pra chorar

Dói a pancada machucada por amor


Ei, pandeiro 

Estou perdido 

E perdi o paradeiro 

Parei na pista 

Apagou o candiero 

Estou tão triste

E bebi o dia inteiro 

Estou sem sorte 

Sem amor e sem dinheiro  

Ela jogou água 

Onde era um braseiro

O fogo morto só me faz entristecer

Estou com mágoa 

Estou com raiva 

Por isso vou te bater 

No mesmo ritmo a gente vai gemer


Ei, pandeiro 

Estou perdido 

E perdi o paradeiro

BISCOITEIRA

Unhas adentram minha carne 
Morde meu pescoço 
Rasga minha roupa 
Diz que me ama 
E que sou o seu almoço 
Uma fera na cama
Chama de meu gostoso 
Satisfeita com o gozo 
Some 
Por mais de uma semana
E eu fico ansioso 
Só me resta esperar 
Quando ela voltar 
E dessa vez, talvez, quem sabe
Resolva ficar 
Vã esperança 
Espero sentado 
Que em pé cansa

VOCÁBULO

Como um paciente 

Impaciente espero 

Triste, solitário 

Porque ainda quero 

Que saudades seja uma palavra 

 Pra fazer parte  do seu vocabulário 

Da mesma forma que faz parte do meu 

Mas, sei não, parece que ela na verdade de  mim se esqueceu  

Não tenho sono 

Faz muito tempo que não consigo dormir 

Toda noite o pesadelo de ver ela partir

Vago pelas ruas procurando saber notícias 

Miinhas vãs esperanças 

Ilusórias, fictícias 

As buscas dão em nada

Pelo jeito faz questão 

De não mais ser encontrada 

É seu jeito de dizer 

Que de nós não quer saber 

Isso ainda não consigo compreender

Queria  entender 

Pra esquecer 

Acreditar de verdade 

E riscar dos meus versos 

A palavra saudade 

ADEUS JACOBINA

O Vei Jacobina, pseudônimo de Valdemar Ramos Oliveira que faleceu essa semana no sertão da Bahia dend'os 93 anos que ia interar em julho...