INÁCIO DA CATINGUEIRA E A MÉTRICA NO REPENTE

Antes de Inácio  da Catingueira, nascido escravizado, a cantoria de repente nordestina  era de rimas simples  A-B-A-B ou A-B-B-A. Nicandro Nunes da Costa, Silvino Pirauá Lima, Francisco Romano Caluete (vulgo Romão do Teixeira ou Romão de Mãe D'água) já vinham divulgando  a arte trazida à região que   compreende o  Pajeú, o Sertão do Moxotó, a Serra de Santana  e Cariri  entre  os  estados de Pernambuco  e Paraíba, resvalando até  o Ceará. Consta  que  foi Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Antônio Ugolino Nunes da Costa e Ugolino do Sabugi na metade do século XIX;  Inácio apareceu  já  no último  quarto  do  mesmo  seculo e desenvolveu as métricas, incorporou  a sextilha  e trouxe outras formas de versos rimados ao repente e as quadras iniciais foram  esquecidas. Veio  a geração que trouxe Severino Pinto (Pinto do Monteiro), os irmãos Otacílio  e Lourival Batista (Louro do Pajeú), Aderaldo e  Zé Limeira e no final dos anos 60, início dis 70 veio uma turma disposta e arrojada  trazendo Ivanildo Vila Nova,  Bule-Bule, Pedro Bandeira, Mocinha da Passira, Geraldo Amâncio, Severino Feitosa,  Sebastião da Silva, Oliveira de Panelas e outros. Esta turma foi responsável pela organização coletiva dos cantadores pelo reconhecimento profissional do repentista que tem como marco o Congresso realizado no ano de 1974 na cidade de Campina  Grande na Paraíba .

Hoje se faz reoente em : 

sextilha 

sete linhas ou sete pés;

moirão;

moirão de sete pés;

moirão trocado;

moirão que você cai;

moirão voltado;

décima;

martelo agalopado;

galope à beira-mar;

parcela;

quadrões;

quadrão trocado;

gabinete;

toada alagoana;

meia quadra;

gemedeira;

ligeira

SAMBA JAZZ

Samba no apartamento
com o ar-condicionado 
discretamente ligado 
notas na interseção 
para não fazer barulho 
e não dar variação 
bi, bi-bi, bibibibibibibi,  bobó
bobó, bobó, bobó 
bibibibibibibi, bi-bi, bobó, bobó
bi-bi, bobó 
pra me tirar dessa fossa 
discretamente   vou rimar essa bossa
pois não tenho mais nada a dizer 
a não ser 
que meu samba é de sofrer
um samba triste 
é da minha natureza 
sendo  essa  a beleza 
mais mórbida que existe 
melancólica satisfação 
batendo suave nas cordas do violão 
no banquinho  encosta os pés
toca baixinho pra sentir a santa paz 
nada pode ser de sobressalto 
é novidade no asfalto 
é samba jazz 
onde o swing  jaz.
bi, bi-bi, bibibibibibibi,  bobó
bobó, bobó, bobó 
bibibibibibibi, bi-bi, bobó, bobó
bi-bi, bobó 
melancólica satisfação 
batendo suave nas cordas do violão 
no banquinho  encosta os pés
toca baixinho pra sentir a santa paz
nada pode ser de sobressalto 
é novidade no asfalto 
é samba jazz 
onde o swing  jaz.
bi, bi-bi, bibibibibibibi,  bobó
bobó, bobó, bobó 
bibibibibibibi, bi-bi, bobó, bobó
bi-bi, bobó 

DISTIORÔ

Resta aquela rede 
Que a gente armava 
Deitava e chamegava
E hoje vive pendurada na parede 
Nunca mais me balancei 
Fui olhar pra ela 
De você me lembrei
Emoldurando a janela  
Pensamento   de tal maneira 
Comoveu que me discalquiei 
Danei a pensar besteira 
Chorei, zói disaguou 
Seu retrato permanece na parede
Ao lado do armador da rede 
tal qual  você deixou 
Vou te contar o que mudou 
Minha vida hoje é diferente 
Ninguém mais me vê contente 
Tudo se distiorô
E a goiabeira 
Que dava sombra 
Pra gente armar a rede 
Seca, quase que  morta de sede
Cupinzeiro já fez um povoado 
Todo fruto que fulora  tá bichado
Mas a roseira inda  solta flor 
Mesmo desbotada a cor 
Cheiro pra sentir o perfume 
Hoje colhi um buquê
Como era seu costume 
Se não fosse meu ciúme 
Tava é cheirando você

TORPOR

As dores que mais  doem 
Trituram e corroem
Torturam e destroem 
A carcomida  dor
De forma não fictícia 
Digerem a notícia 
Está morto o amor 
Nada mais necessita ser dito 
O choro abafa o grito
Torpor ..

CRÍTICA DA KANTORIA PURA

Poeta que diz ser letrado 

Que  no colégio foi estudado 

Se saiu de lá diplomado 

Vai me responder o que lhe foi perguntado 

Me diga o que Immanuel Kant 

deixou de legado?


Sei do legado de Kant 

Já que pede que eu cante 

Sou enciclopédia ns estante

E lhe respondo nesse instante 

Que no meu ponto de vista 

O filósofo iluminista 

Deixou o  referencial teórico 

Do imperativo categórico 

Como alvo das sensações 

Objetos  gerando impressões.e reconhecido na forma 

Assim diz sua norma 

As impressões ganham sentido 

Se houver sensibilidade 

As coisas do mundo serão  conhecidas 

pras que aconteçam

e apareçam 

Ajustada ao desejo e  a vontade

Espaço e tempo são  propriedades subjetivas 

o comodismo, a covardia e a preguiça 

são forças ativas  

A verdade que a moderna  filosofia burguesa hoje é 

Substrato de Kant, nota de rodapé 

Favorável ou sendo contra 

Nele se encontra 

O universo explicado pelo pensamento 

Não  mais do desvelamento 

No idealismo transcendental 

O aprendido  tem significado parcial 

Sua ética fundamenta-se na razão

Mas não saberíamos de nada 

Não fosse a intuição 

E se não determinar o tempo

Confunde-se o sentido 

o conceito será equivocado

Assim foi respondido 

Conforme me foi perguntado

Demonstrei o que Imanuel Kant 

Deixou de legado.

A DANÇA DA RAÇA

Malandro  e  sambista 
Pé de balcão em  buteco 
Poeta e ritmista
Metido a artista 
Toco cuíca, contra-surdo, pandeiro, Tamborim, caixa tambor 
Também  reco-reco
Maluco esperto 
Não tô de  bobeira 
Ando  prevenido 
E vagabundo não tira partido 
Saio do trampo à tarde com a certeza do dever cumprido
E o corpo dolorido 
Acontece  que desde menino 
Criado em casa de  bamba 
Quem nasce com esse destino 
Não foge do samba 
A noite é curta e o dia é  longo 
No  fim se semana pro Quilombo  a gente  descamba 
Tem roda de jongo  
Balançar o couro pra rima girar
Corpo de borracha 
Língua de mola 
Foi o passatempo 
Que veio de Angola 
E jongo só joga quem sabe jogar 
Quem da sua raiz pode se orgulhar 
Juntar com seu povo pra celebrar
Nunca desistir, insistir, lutar 
Jamais  foi fácil, nem nunca  será 
A história taí para confirmar 
Nada vem de graça se não for buscar 
Vai  ficar sentado vendo o tempo passar 
Dessas amarras nunca vai se livrar 

Aí é  o jongo e foi vovó
Foi a véa Ermina 
Negra gente fina 
Mestrada nas artes da sobrevivência  
Dominou a ciência 
da subsistência  sem  subserviência 
A cabeça nunca abaixou 
Botou tabuleiro, lavou de ganho,também  garimpou
Filha de Santo a vida do terreiro 
Nunca que deixou 
Fechou o meu corpo 
com galho de Guiné , jurubeba e fumaça 
A véa me saravou 
Me ensinou o jongo 
A dança  da raça 
E até hoje no jongo eu estou 
Agrradeço vovó 
Muito obrigado vovó 
adúpé   baba agda


MANÉ GOSTOSO

Onde se fragmenta a matéria 
Um  cérebro em estado de miséria 
Gerado artificialmente 
Para substituir a mente 
Primeiro tritura
Em forma de serial 
Na parte obscura 
Da zona abissal
Um chip gerencial 
De conteúdo banal
Pra reprogramação mental 
Com boleto mensal 
Pré-artificial foi a mente 
Que te fez artificioso 
Dançando no cordão 
Feito mané gostoso

FARINHA AO VENTO

Futuca a tuia maninha 
pega na  cuia 
Um bocadinho de farinha 
com a mesma mão que dibuia
enche a palma todinha 
fechano tipo conchinha 
joga na boca a crueira
antes do gosto a poeira
o pó no ridimuinho  some
baiano xinga uns nome 
certo desgosto consome 
sem farinha não se come 
pra soprar mamona não tem
na hora da boia vem 
agosto venta demais 
farofeiro passa fome 
não pode papá em paz 
pois todo bucado que jogue 
é possível que o vento tome 

VAQUEIRO FAKE

Canta piseiro 
Conta dinheiro 
Guardando no miaeiro
Tira onda de vaqueiro 
vaqueiro fake que não sabe aboiar 
monta cavalo, tira selfie 
Sem sair do lugar 
Vaca nenhuma  sabe ordenhar 
Banho no berobo também   num sabe dar
Uma cia nunca soube arrochar
Pega de boi a coragem nunca dá
Pois no espinho tem medo de se furar 
Usar os couros a cútis vai estragar 
Quebra a zunha que acabou de pintar 
Seu tênis caro o quiabento  pode atravessar  
Nunca viu uma sela Curaçá
Sem ter controle égua vai rifuná
Se de um lado o rabo do boi tem que pegar 
Do outro lado é quem tem de derrubar
No streaming é o primeiro a faturar 
Nem  Gozação fdp  soube respeitar 
Não tem limite seu sadismo em aviltar 
Descaração vem em primeiro lugar
vive bebendo pra dizer que é  alegria 
Não tem raiz essa sua melodia 
trilha sonora baseada em putaria 
Desfaçatez se mistura com agonia 
Não  é forró , o seu som é  porcaria.

CANAVIAL, FÁBRICA, CAPITAL

A fabrica é o canavial moderno 
uns de uniformes 
outro de temo
pensam que o  capital seja eterno 
não se pode mudar 
mundo moderno 
fazendo de conta 
que é possível se colocar 
basta tá focado 
dar de conta 
basta estar preparado 
acreditar e ser capaz 
cavalo passa selado 
acredita, futuro  traz
basta parar
de problematizar 
de achar ser culpa 
do capital 
de tu ter sido gerado 
como mais um escravo 
do sistema no canavial 
tem que produzir!
tem que produzir!
servir!
servir! 
servir!
por qualquer motivo fútil 
basta estar sendo útil
produzindo!
servindo!
pra existirem senhores 
existe sempre o motivo 
vidas viram penhores 
lares viram horrores 
não me considero cativo 
por outros motivos eu vivo
vivo mal, muito mal
passo nicissidade  
pra todos exemplifico
um número na sociedade 
em quanto quantifico
pra quem faz  a realidade 
cadastro gera cartão 
espertos usam macetes 
O sufrágio faz o cidadão
estando no luxo dos palacetes 
ou, mesmo, que more  na rua 
iluminado pela luz da lua 
A riqueza ou a pobreza
vendem tudo por  beleza
a posse material 
e a vida continua 
canavial, fábrica, capital 
ô sinhô, ô sinhá 
vão  se lascá!!



PRIZUNHA

Prizunha 
Prende no dente
Corta na unha 

Gata manhosa 
Matreiro olhar
Já me pegou
Vai me zunhar
Vai me lamber 
Vai me arranhar 
Vai me morder 
Vai me cortar 
Vai me provar 
Vai me satisfazer
Vai me untar 
Vai me comer 

Gata no cio 
Ranca meu pelo 
Tenho arrepio
É  desmantelo
eu sou vadio 

NOS 20 PÉS DO MARTELO ALAGOANO

Pra você que cativou meu coração 

Mando uns versos pra que nunca esqueça 

Caso você apareça 

Fique de recordação

O relato da minha paixão 

Estarei lhe esperano 

Continuo lhe amano 

Volte quando quiser

Pois você é  a mulher 

Com quem vivo sonhano 

Dia e noite, noite e dia  

Tanto faz dormino ou acordado 

Em você vivo ligado 

Você é  minha alegria

Em minha fantasia 

Você sempre tá presente 

Alumia meu repente 

Entre nós o oceano

Mas tá sempre no meu plano 

Ganhar dinheiro e juntar 

Pra atravessar o mar 

Nos 20 pés do Martelo Alagoano

ADEUS JACOBINA

O Vei Jacobina, pseudônimo de Valdemar Ramos Oliveira que faleceu essa semana no sertão da Bahia dend'os 93 anos que ia interar em julho...