UMA VALSA FÚNEBRE

Seu nome de batistério e registro, era José Gomes, tinha 59 anos.
O conheci há mais de 40 anos, eu devia ter uns 7, 8 anos e já andava pela tuas ruas de Miguel Calmon vendendo,  primeiro, bolo e depois geladinho. Depois fui pra feira, vender carne de sol e ele, sempre vendendo acarajé numa lata de querosene cortada em transversal, tipo uma gamela. os acarajés vinham pronto e, geralmente somente sal, tomate cortado e pimenta eram os acompanhamentos.
Voltei pra Jacobina com 11 anos e sempre o encontrava pela feira; vendendo acarajé ou tocando pífano ( hoje num me lembro se era a flauta ou se ele era ritmista, na zabumba). Nos conhecíamos. Fui pro trecho e, quando de retorno à terrinha por vezes o encontrava.; eu puxava o diálogo e, ele sempre me reconheceu. 
Na última vez foi em setembro de 2018, na feira do mercado, em jacobina, numa quinta-feira; ele vendia utilidades para celulares, eu perguntei pelo acarajé, ele disse que não compensava não.
Soube que ano passado ele tinha se perdido numa viagem à Lapa e, certo dia de manhã, vi a notícia da sua morte, morte cruel, apedrejado por um casal que o tinha feito bullyng
UMA VALSA FÚNEBRE

Marcha sonora tardia
D'uma flauta que assovia
Pela boca que transformava em alegria
As tristezas que na sua vida trazia
E eu, que, raramente, o via
Revoltado com tamanha covardia
Com uma figura que mal não fazia
Com a tristeza me torturando nesse dia
Angustiado pelo amigo que partia



MARIQUINHA ERA DAS ÁGUAS

Mariquinha era como se fosse mãe da minha mãe, pois a tomou nos braços com 8 dias de nascida. Minha vó Maria não podia criá-la, entregou pra Mariquinha que, sabendo do desejo da sua amiga Almerinda (Dona Nega) em adotar uma criança, entregou a pequena Guinha pra Nega,  que  registrou e criou a professora Isabel para o mundo.
Então, Mariquinha era como se fosse minha vó e, da parte materna,  tive, praticamente,  4 avós, pois Don'ermina, mãe de Almerinda e que seria minha bisavó, era, efetivamente, quem eu cresci chamando de vó.
Mariquinha, de descendência indígena, era dos Encantados e, quando tava com raiva, ficava igual a cascavel na rodilha, nem comia nem bebia por vários dias seguidos. Estando em transe recebia Iemanjá, a entidade da cor azulada; uma vez incorporada, mandava recados pra Mariquinha e, eu menino, acompanhava aquilo com bastante interesse. Como podia, Mariquinha mandar recado pra própria Mariquinha? E, dessa indagação, comecei a entender os paranauês das coisas religiosas do meu povo e  aquilo, me encantava. Ela, certa vez me disse que eu era da Mata e ela era das águas.
A Entidade, através da boca de Mariquinha desabafava as dores de Mariquinha, ameaçava seus detratores, mandava conselhos pra Mariquinha, elogiava as qualidades dela e  soltava uns sons guturais, que ninguém entendia; hoje, percebo que era uma língua usada pelo povo escravizado, talvez o yorubá.  O transe ia aumentando; mais coisas iam saindo da voz empostada e ela girava;  o povo de casa ficava assuntando e, ao mesmo tempo, assustado e começava a ficar nervoso e preocupado. Até que uma das Nagôs presentes, dava a senha esoltava o prefixo:
-Traz a alfazema!
Destampado o o frasco, esfregavam o perfume no nariz de Mariquinha que aos poucos ia voltando a si. Desperta, agia como não lembrasse nada do ocorrido; meia zonza, nas fraquezas era colocada para descansar.
O Assunto morria ali, ninguém comentava mais nada sobre o acontecido; era uma atitude de respeito.
E respeito se dava, para respeito merecer de volta.

ADEUS JACOBINA

O Vei Jacobina, pseudônimo de Valdemar Ramos Oliveira que faleceu essa semana no sertão da Bahia dend'os 93 anos que ia interar em julho...