COCO DOS LICURIZAIS (Rabisco do livro VI - )

“Eu sou eu, licuri é coco pequeno”, mais que um ditado nordestino é a afirmativa de exatidão, pra tirar a curva da conversa, não deixar dúvidas. Pois é certo que o licuri é um coco e o licurizeiro é uma palmeira nativa e muito corrente na mata branca da caatinga. Licuri é no dialeto do sertão norte da Bahia, de onde venho, mas o Syagrus Coronata em outras regiões recebe outros nomes como: dicuri, adicuri, ouricuri, alicuri, aricuí, aricuri, butiá, butiazeiro, coco-cabeçudo, coqueiro-cabeçudo, iricuri, nicuri, urucuriba, nicuri-de-caboclo e urucuri. Teve muita importância para a sobrevivência do sertanejo fornecendo alimentação não pros viventes, fibra pra artesanato, palha para fechar e cobrir ranchos, fonte de renda extrativista; licuri mata a fome e maduro pra chupar é doce que nem mel.
• Um antigo descendente dos nativos de pele vermelha sabia que seus antepassados mais avançados imaginavam que antes do mundo ser mundo era tudo licurizal, somente bem depois, e mesmo assim dentro do palmito de um licurizeiro, ocorreu uma explosão de um morotó que agigantou a sua poeira cósmica, esse relógio que chamam de Waldir Serrão; nisso veio o verbo, o pó, a carne, o sangue e a mentira que separou as coisas e o mundo foi viver o seu mundinho da civilização e o licuri ficou no sertão resistindo despretensiosamente encarcerado entre cercas da repartição gananciosa do latifundio sob a condição espinhosa do semiárido nordestino junto dos mandacarus, dos juazeiros, icós, quixabas, juremas, quiabentos, sertanejos e toda a flora do sertão. Apoiou e protegeu quem quis ficar na caatinga com ele, homens e bichos; deu abrigo para que os gravatás pudessem guardar de beber pros passarinhos, abelhas, borboletas e marimbondos; alimentou gado, porco e cabras. Pro povo do sertão deu dicumê, abrigo, artesanato, óleo pra frigir as coisas, o leite pra temperar o peixe, o frango, o cortado de verdura e o arroz; sendo coco dá doce, faz cocada, faz paçoca. Grande parceiraço do povo dos Quilombos.
Nos dias de hoje licuri vive esquecido em meio à devastação da caatinga, o mais agredido dos biomas e a sociedade moderna o considera dispensável para o seu modelo de desenvolvimento econômico dessa derradeira etapa do capitalismo, ultra estágio da degradação humana.
Os licurizais sempre estiveram postados e plantados dignificando seu papel ao longo da existência do que ficou conhecido como sertão nordestino, sempre estiveram e a cada dia são menos numerosos e quando não mais os houverem não existirá mais sertão, o haverão destruído assim como o que houvera sido chamado por vida criada nos licurizais.
O licuri foi uma referência muito importante pra mim pelo impacto que tinha naquele tempo e pela gratidão que minha vó tinha pelo que o licuri fez pelo pobre na seca de 32, ela tinha 7 anos e o licurizeiro fornecia o coco, o palmito e o bró pra fazer cuscuz e dar um refrigero na fome daquela seca. Dona Almerinda, Dona Nega, minha vó, por nós chamada de Mãe, pelo muito que me transmitiu da sabedoria de nordestina que também foi nômade sobrevivente pelas veredas caatingais.
-Ç’á Mãe..

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