SIMPLES E IMENSO; DENSO E INTENSO. JOÃO BÁ O VERSADOR DA INDIGNAÇÃO E DOS ENCANTOS

O poeta que amava a natureza,os bichos e as pessoas,  rabiscava com tintas coloridas os painéis da formosura. Belo, sublime, suave, certeiro,conscientemente crítico, resistente da existência,  portador da sabedoria da vida.  Cresci sonhando com coisas belas  muito por culpa dos versos desse versador dos encantos.
Compositor, violeiro, ator, cantor, poeta, contador de histórias e um bucado de coisas mais, João Bá, nascido no sertão baiana de Crisópolis, retirante em  terras paulistas e hóspede do norte mineiro João Bá assim que nasceu o primeiro dente já foi trabalhar na roça pra ajudar na labuta familiar pela sobrevivência  e aprendeu no eito a observar as minúcias poéticas da organicidade entre  trabalho e natureza transformando suas impressões em versos.
Artista independente que recusava patrocínio à sua arte para não comprometer a  liberdade criativa da sua lavra  Defendeu os índios, louvou a resistência de Canudos, relembrava a resistência quilombola, a luta dos ribeirinhos. Falou dos bóias-frias, dos operários e de todos os trabalhadores; denunciou o passado colonial  genocida. Defendeu a caatinga e o cerrado de forma enfatica pois lhe eram mais próximos esses biomas , mas esquecer da unicidade do nosso habitat, campo e cidade. Mas não esqueceu da beleza da vida que é  o amor pela amada, pela sua gente e o amor maior que é a natureza, o existir e cantou a vida  por inteiro.

DR. MASTRUZ

No sertão onde nasci 
O almofadinha virava doutor
Pra depois ser  prefeito, deputado 
Sonhava ser (ou ser puxa saco de)
Senador ou governador.
As preta velhas da minha ancestralidade 
Pra num dever favor pros 
Mangangões da cidade
Sempre botaram fé no mastruz
Que cura de um tudo:
catarreira, inflamação
Dolorido, firida. pús,
Todo tipo de constipação
Sempre foi o remedio certo
Também serve pra vermes
E sempre há
 alguma moita
 Por perto.

TERRA PARA QUEM NELA TRABALHA

A reserva indígena prevê  o uso comum da terra conforme o costume antigo da maioria das tribos.
Também nos Quilombos era assim. Outras formas de convívio comunitário no uso do espaço agrário são os Faxinais na região sul, as Vazantes no vale do São Francisco,  os Fundos e Feixes de Pasto na Bahia e as Reservas Extrativistas. 
 Em todos esses casos um inimigo em comum: o latifúndio. A concentração fundiária sempre esteve por trás da destruição das formas coletivas de organização camponesa. Os quilombos sofrem esse assédio há uns 400 anos e os nativos são acossados desde a chegada do homem branco em seu território. Os Faxinais restam poucas áreas onde esse sistema ainda resiste; os Fundos e Feixes de Pasto apesar da resistência sertaneja veem sua área cada vez mais diminuta e as Vazantes coletivas hoje são áreas quase inexistentes. As Reservas Extrativistas demarcadas à luta e sangue também sofrem o assédio constante .
Portanto, além do atendimento paliativo e das ajudas emergências se a desgraça da concentração fundiária não for combatida, se a bandeira da  reforma agrária não voltar a ser hasteada; se continuar esse fingimento de que o agronegócio traz benefícios  pro país, não haverá  ademocratização do uso do solo para o atendimento da sua função social .

ELSIE HOUSTON E O FOLCLORE LÍRICO

Elsie Houston era filha de um boticão estadunidense com uma carioca da comunidade portuga nascida em 1902, foi compositora e cantora dona de uma potente voz de soprano lírico spirito, passou a adolescência na Europa onde estudou canto com Lili Lehman. Aos 20 anos conheceu o maestro e compositor Luciano Gallet e passou a harmonizar canções populares em estilo lírico. Ficou amiguxa E expoentes modernistas Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Flávio de Carvalho, Jayme Ovalle, Lívio Xavier, Mário Pedrosa, Ninon Vallin, Luciano Gallet e os surrealistas de Paris. Reconhecida como grande cantora lírica apresentou-se na capital francesa ao lado de nomes famosos à época e também com Heitor Villa Lobos. Ainda em Paris se casou com Benjamin Péret, poeta surrealista e trotisquista no ano de 1927: o casal morou no Brasil nos anos 29/31 e pesquisaram o folclore e as religiões afro-brasileiras, viajando pelo Norte/nordeste. Como resultado dessa imersão o mancebo escrevia na Revista de Antropofagia e publicou “O Almirante Negro" e Candomblé e Macumba, Elsie lançou em Paris, o livro Chants populaires du Brésil, e no ano seguinte, o ensaio La musique, la danse et les cérémonies populaires du Brésil e ainda gravou várias canções com arranjos próprios.



Em 1931, nasce 1 filho do casal enquanto Benjamin se ocupa em ajudar na criação da trotisquista Liga Comunista de Oposição junto a Lívio Xavier e Mário Pedrosa, cunhado de Elsie. A agitação política lhe  rendeu o distanciamento dos amigos modernistas chocados com a afronta dos costumes pelo proceder e linguajar surrealistas do casal (dizem que Drummond de Andrade eram 2 dos que  evitavam os encontrar) a prisão e expulsão do país pelo governo Vargas e o casal retorna  à França deixando a criança aos cuidados dá vó materna; acabaram se distanciando e Péret, em 1936 partiu para lutar na Guerra Civil Espanhola ao lado dos Republicanos e forma casal com a pintora Remédio Varo, uma hispano-mexicana. Informada sobre o fato, Elsie passa pelo Brasil e ruma pra Nova Yorque; em difícil situação financeira apresenta performances de macumba estilizada, que houvera feito noite parisiense, em boates sofisticadas chamando a atenção pelo exotismo da cerimônia vodu (como chamavam os americanos).




Entre 1939/1940 teve um programa musical de músicas do Brasil pela NBC semanalmente, Fiesta Pan Americana. Faleceu em fevereiro de 1943.

 Em 2019 foi lançado o  livro/disco Cantos Populares do Brasil de Elsie Houston pelo Coletivo Goma Laca formado por · Biancamaria Binazzi · Ronaldo Evangelista · Alessandra Leão · Marcos Paiva · Júnior Kaboclo · Alessandra Leão, Jussara Marçal e outros.




 


A Prisão de J. Carmo Gomes, as preocupações anti-integralistas de Graciliano Ramos

 Projetado como capítulo inicial de um romance com 4 capítulos que Graciliano Ramos tencionava publicar no final da década de 30, “A Prisão de J. Carmo Gomes” relata a instabilidade emocional de D. Aurora, uma integralista que não se conformava com o fato do seu mano J. Carmo Gomes ser um comunista.

Num realismo longe de ser espontâneo ou, até, orgânico, mas, antes de tudo, crítico e na sua habitual ironia mordaz, Mestre Graça desnuda as nuances do discurso integralista em sua caracterização do que seriam “comunistas”, gente disfarçada dentro da sociedade, agentes pagos por Moscou para prejudicar o país, a família, a sociedade, a propriedade e a moral cristã. Não bastasse, estariam dentro do próprio partido pagos para criar distenção interna inimigos dentro do próprio partido que pregavam o diálogo.

A ideologia racial fascistas foi incorporada pelo integralismo, o comunista era associado ao indígena: estampas horrorizavam imagens de índios pelados, com orifícios nos lábios, roubavam. Pilhavam, destruíam os valores da civilização cristã, ordeira e pacífica de um Brasil verde, da cor da esperança, como nossas florestas

O conto desenvolve a melancolia de D. Aurora, sua frustração em não ver o comunismo extirpado de uma vez por todas pela raiz e sua tristeza é potencializada pela constatação da contaminação dentro da sua própria casa, na pessoa do seu irmão J. Carmo que fora “corrompido” e militava na divulgação do vermelhismo. Decidida a não ser acusada de esconder o inimigo dividindo o teto com ele, ela entrega o irmão à polícia.

Nesse curto texto, Graciliano discute agitação política e suas tensões no Brasil dos anos 30 que ilustrariam muito bem a “família” brasileira hoje em dia

 


*"A prisão de J. Carmo Gomes", apareceu como conto, numa tradução para o espanhol em La nación, de Buenos Aires, em janeiro de 1940, e em português na revista do brasil, ano III, n.24, do Rio de Janeiro, em junho de 1940, em 1947 foi adicionado a Insônia como Primeiro Capítulo

*“A Prisão de J. Carmo Gomes” foi adaptado para o cinema em 1980 por, Luiz Paulino dos Santos como segmento ao filme homônimo ao livro, Insônia. Emmanuel Cavalcanti (segmento “Dois Dedos“) e Nelson Pereira dos Santos (segmento “Um Ladrão”) completam a película.

HUMILDE MÍDIA

Minha humilde mídia

Não celebra a pátria

Em seu desígnio

Não defende a família

Não tem patrocínio

Tampouco merchand

Na inquietude

Combate  a moral cristã

Em sua plenitude

Celebra amores

Relata o cotidiano

Não esquece das  dores

Revela o engano

Não defende propriedade

Não aceita oferenda

Não negocia sua liberdade

Não está à  venda

Não aceita censura

O que pensa é  publicado

Contra a superestrutura

Defende a ciência

Do  proletrariado 


PED'INCARNADA

 A pedra com que quebro meu licuri

Que nem aricum toda encarnada

É da cor da vermelha

O coco que foi catado já foi juntado

E num desafio pego parelha

Bate, bate, baticum da pedra ritmo ritmado

Zuada diferente em cada orelha

Acende o fogo dessa embolada

Cada casca de coco quebrado faz vez de centelha

Licuri maduro caino do ingaço no meio do mato

Tão doce que o doce mel da própria abelha

Agua dos Calderão salobra e cristalina

Quando o sol tá quente ela o espelha

Palha cortada, trazida e virada

Aqui no barraco é quem serve de telha

A pedra com que quebro meu licuri

Que nem aricum toda encarnada

É da cor da vermelha

FUFUCA É PAÇOCA

Paçoca é fufuca

Fufuca é paçoca

É merenda das antiga

Dos trabaiadô da roça

Paçoca é fufuca

Fufuca é paçoca

Pra enganar a fome

Antes de terminar o eito

Seja por não poder comprar

Seja por não ter outro jeito

A fufuca pode a fome enganar

Cata o licuri bem seco

Ou põe ele pra secar

Se for licuri do gado

O sabor vai realçar

Se não tiver rapadura

Pode ser açúcar

Lá do pote na cozinha

Aproveita que abriu a dispensa

Traz uma cuia de farinha

 

Paçoca é fufuca

Fufuca é paçoca

É merenda das antiga

Dos trabaiadô da roça

Paçoca é fufuca

Fufuca é paçoca

Senta na pedra

Pra quebrar o coco

Toda essa força bruta

Vê se manera um pouco

Pro bago não esbagaçar

Fica muito trabaioso

Se com as cascas misturar

Vai ser perda de tempo

Se tiver que catar

 bagaço não pode não

Terminano o serviço

Hora de pegar o pilão

limpe o bicho direitinho

Solta o braço, desce a mão

Tritura essa mistura

Esbagaça grão em grão

Passano na peneira

Tá pronta a ração


Paçoca é fufuca

Fufuca é paçoca

É merenda das antiga

Dos trabaiadô da roça

Paçoca é fufuca

Fufuca é paçoca

É merenda das antiga

Dos trabaiadô da roça

MURRO EM PONTA DE AÇO

No lombo bate a pancada

Como se fosse ingaço

A dor por cima do ombro

Enverga o espinhaço

A carne cortada

Pela ponta do estilhaço

Moe, remoe

Devolveno só o bagaço

Do pescoço capturado

Pela ponta do laço

Desde então resistir

É tudo que faço

Dando murros

Na ponta do aço

GALOPE DA PEDRA QUEBRANO

A pitangueira fulorou

Manheceu na  lua  nova

Natureza em movimento

É  vida que se  renova

Divaga meu pensamento

Na batida da pedra tiro a prova

É  na curva do gavião da foice

Que seu Tsiu pica o fumo

Depois de 2 baforadas

A conversa toma rumo

No fogo da sua cabeleira

Brilhante que nem seu olhar

É aonde a minha chama

Vai se alimentar

Licuri na caatinga é coco

Com coco se faz cocada

Além de se fazer o repente

A cocada é doce

Adoça a vida amarga

Quebra um pedaço no dente

Alivia o peso da carga

dibaxo desse sol quente

Beijei os seios dela

Imbaxo da cachoeira

Meio afoito, meio sem jeito

Saboreando e delirando

língua no bico do peito

Não pude conter, me apaixonei

Por uma moça, que já era, comprometida

Guardei isso pra mim, eu me calei

Fiquei na minha, não disse nada

Desde então, por mais ninguém me interessei.

Sempre que ela passa na minha rua

É lindo o seu  vestido

Mais belo deve ser  ela nua

Os seus cabelos sobem  ao vento

Geram uma brisa

Que sopra no meu pensamento

Arreparo a parede

Sem saber o que dizer

Nem o tempo ou a distância

Conseguirão fazer

Não tem jeito nem maneira

Pra que possa  esquecer

Porque fui  me apaixonar

Por esse par de olhos

Amendoados, encantadores

Sem saber que me trariam

Tristezas e dissabores

 

A pitangueira fulorou

Manheceu na  lua  nova

Natureza em movimento

É  vida que se  renova

Divaga meu pensamento

Na batida da pedra tiro a prova

 É  na curva do gavião da foice

Que seu Tsiu pica o fumo

Depois de 2 baforadas

A conversa toma rumo

No fogo da sua cabeleira

Brilhante que nem seu olhar

É aonde a minha chama

Vai se alimentar

Licuri na caatinga é coco

Com coco se faz cocada

Além de se fazer o repente

A cocada é doce

Adoça a vida amarga

Quebra um pedaço no dente

Alivia o peso da carga

Embaixo desse sol quente

ADEUS JACOBINA

O Vei Jacobina, pseudônimo de Valdemar Ramos Oliveira que faleceu essa semana no sertão da Bahia dend'os 93 anos que ia interar em julho...