EPÍGRAFE AO MANIFIESTO DOS BICHOS SELVAGENS

 Diante de tudo, a minha conclusão é que a civilização                                                          foi uma    tentativa fracassada   da humanidade. 
                                                    Mil vezes  tivéssemos permanecido selvagens.                                                                     Parafraseando: não                                                                                            sou homem, bicho é o que sou!


                   E assim os bichos devem se rebelar contra a civilização pra destruir as desigualdades artificiais produzidas pelo "espírito" civilizatório.


                    A epígrafe foi escrita por um desempregado que sente a miséria  rondando, trazendo consigo a ameaça de torná-lo, como milhares, mais um bicho selvagem; que nem aquele à suas retinas.
                            - Avenida Faria Lima, endereço nobre da capital paulista: Um cara tinha um saco de lixo na mão e comia restos de comida que, na noite anterior foram jogados no lixo de um restaurante luxuoso e  estavam dentro daquele saco que ele sacou da lixeira; eram  sobras de um banquete burguês qualquer. Alguém, comovido, compra um sanduíche e lhe entrega; aquele homem emite alguns sons guturais, olha rapidamente para a mão estendida com o lanche e,  com um olhar furioso e num movimento rápido pega o sanduíche e coloca no saco de lixo à sua mão junto aos outros detritos alimentares e continua a sua refeição sem se importar com a civilização que o rodeia .
Esses "selvagens" não (ainda não) são a barbárie; eis que senão subprodutos da civilização e do desenvolvimento capitalista, chagas que perpassam conjunturas e períodos históricos.  Humanos que são e,   enquanto grupo social,  quais seriam as suas aspirações políticas e de organização? O estado de semi selvageria não os deixa alternativa, aprofundar esse modo de vida torna-se o curso natural dessa correnteza ; não existem sonhos nem perspectivas de “civilizar-se”, o porvir não existe; Mais próximos da selvageria do que da “civilidade”.
                     A impotência me envergonhou neste momento como nunca antes e, embora não esteja disposto a fundar ou aderir a nenhuma organização de bichos selvagens, literariamente, essa, epígrafe, foi a máxima coisa que minha  ineficácia conjuntural revolucionária (espero que temporária) pode produzir. E naquele homem vi um irmão de classe, um trabalhador, como tantos outros que, perdendo a serventia como produtor de mais-valia, foi descartando pelo  sistema,  rebaixado à condição de sub humano, pré selvagem.


Veio Gode

Jacobina não lembra, não houve comemoração mas, ocultado no esquecimento desse tempo de sentimentos fulgazes, memórias e memoriais nas fileiras da irrelevância, me cabe informar que em 12 de fevereiro último completou-se 100 anos do nascimento de Gaudêncio do Santos, o Véi Godenço, um homem de honra e respeito.
   Provavelmente nascido na região do Genipapo da Carvalhada (Cafelândia), foi um dos primeiros tratoristas da imensa região que já foi Jacobina que ia das beiradas de Feira de Santana, e lambia o São Francisco; lotado na antiga Suvale, Codevasf hoje, muitas das antigas estradas e açudes desse sertão foram cortados por ele e pelo grande número de tratoristas que  ele formou (meu pai, inclusive) ; aposentou-se no início dos anos 70 e, embora ganhando um salário razoável, nunca quis acumular patrimônio, seu dinheiro era " pra gastar e passar troco". Ajudar os amigos, bebidas, mulheres, fazer redes, tarrafas, visgueiras, cuidar dos cachorros, criar passaros, caçar e pescar eram seus divertimentos. Também garimpava.
   Era valente, detestava cagueta e covarde; pegava serpentes pelo pescoço, de unha.  Não temia homem nenhum; nem pro coroné Chico Rocha ele baixava a cabeça,  jagunço  num se metia com ele. Bom de cabeçada e capoeira, exímio jogador de fação (conhecia os 23 pontos), manobrava um punhal como ninguém. Atirar? Jogava a moeda pro ar e acertava no meio; também atirava de baladeira (arma indigena em forma de arco), me ensinou a fazer e atirar com baladeira de palha de licuri. Diziam que já matou onça com zagaia e bacamarte.
Conhecia o sertão mais do que a palma da sua mão, não gostava de futebol nem de televisão. Casou com D. Nega em 1948 e, com ela, criaram a minha mãe, meu avô, tenho orgulho.
   Morreu em 1984, aos 66 anos de idade, após o terceiro AVC.
Véio é o primeiro a partir da esquerda, as 3 pessoas grandes da direita são: mãe, painho e mainha

ADEUS JACOBINA

O Vei Jacobina, pseudônimo de Valdemar Ramos Oliveira que faleceu essa semana no sertão da Bahia dend'os 93 anos que ia interar em julho...